Entrevista de Berlim com Christian Petzold
Na primeira parte, conversamos sobre Roberto Bolaño e seu Detetives Selvagens, e falamos um pouco sobre cinema também
Em uma tarde não muito fria de outubro, peguei o carro até uma rua sem muito movimento de Berlim para encontrar o realizador Christian Petzold, um dos meus cineastas favoritos desde sempre. Fui conduzido através do pátio de um prédio antigo para um apartamento lotado de livros, onde Petzold e sua esposa, que é documentarista, mantém os seus escritórios. O casal mora no andar de cima do escritório, ou morava -- cheguei na véspera da mudança. Petzold me contou que estavam organizando o transporte dos livros para o novo endereço, e dei sorte que a biblioteca continuava lá quando cheguei: dei de cara com o exemplar alemão de 2666, e não esperava que a nossa conversa fosse começar por aí. Quero agradecer a The Match Factory, a Izabela e o Guilherme, além do João da Imagem e Palavra que assina essa tradução comigo.
A entrevista vai ser publicada em duas partes para facilitar a leitura.
CAUÊ: Christian, tenho muitas perguntas para fazer, mas vou ser obrigado a quebrar o meu planejamento. Acabei de ver um livro de Roberto Bolaño na sua estante, o 2666. O que você acha dele?
PETZOLD: Eu o adoro, é um dos meus escritores favoritos. Há alguns anos fui para Hollywood devido à indicação de Barbara para o Oscar, Telluride e afins. Eu estive nesse ciclo de diretores e produtores por 4-6 semanas, e nesse meio havia um rapaz que me disse que este escritor, Roberto Bolaño, tinha um romance excelente chamado 2666. Me perguntou se eu gostaria de dirigi-lo, mas neguei. Ele estava exclusivamente interessado na parte sobre a investigação dos casos de feminicídios, mas acredito que o livro não trate exclusivamente disso. Eu amei as primeiras 250 páginas, em que aquela mulher e os dois homens trabalham na biografia deste escritor alemão fascista, sempre se encontrando em lugares diferentes. O mundo dessas pessoas é muito mais interessante para mim, essa vida acadêmica sempre em trânsito, marcada por convites de governos e de festivais, ambientada em salas genéricas e lounges de aeroportos, hotéis, uma espécie de vida fantasma. Adorei como Bolaño descrevia a identidade fantasmagórica desses personagens. A história da mulher morta na fronteira entre EUA e México também não deixa de ser muito interessante, existe um paralelo claro com essa tônica fascista e fantasmagórica, é como um sonho. Mas não acho que seja possível transformar isso em um filme, é como aquela frase de Hitchcock: "você só pode fazer filmes sobre livros ruins''. É uma frase ótima porque precisamos ali da história, não da literatura. O amor de Bolaño pelo cinema é muito perceptível, li todos os seus livros.
Ele tem um poema para Sam Peckinpah…
Sim, eu li! Ele ama essa parte das coisas. Biografias de pessoas chegando nas fronteiras entre países, a história das nações, são como realidades dissolvidas, uma matéria dissolvida…
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