A Cidade Perdida
Carta aos meus leitores-assinantes dos (meus) desafios de escrever (sobre cinema).
Tentei ao longo das últimas duas semanas escrever um texto à altura dos meus assinantes — algo longo, pomposo, denso, digno — mas não consegui terminar nenhuma das duas tentativas. A primeira tentativa era (e talvez eu termine, quem sabe) um texto sobre essa onda recente de biografias “cinematográficas” que cobria desde Maestro até Priscilla. Me irritou o tom generalista que acabei empregando para encaixar diferentes filmes na mesma gaveta. Me sinto nesses momentos como um participante desta categoria de "análise clínica", onde as palavras dedicadas a uma obra devem vir coberta de algum tipo de objetivismo e vontade de classificação – esse lidar com o cinema como algo a ser colocado em tabela e qualificado. Por isso me esforcei para fazer o último Boletim da Semana “apenas” sobre The Apartment: um filme, algumas ideias, um texto sobre o que eu assisti e o que isso me inspirou. Ponto.
Esse texto inicial de 2024 é um desabafo frente ao meu problema com as formas de escrita que atravessam o cinema e uma reflexão sobre essas primeiras tentativas fracassadas. A segunda tentativa para essa coluna foi um conto — seria o primeiro conto que eu publicaria — mas percebi que o ritmo de escrita e o cuidado necessário não são os mesmos desses textos mais despachados e não quis apressar. Talvez eu publique depois.
No meio desse processo de tentativa e erro, acabei encontrando o texto do João Palhares sobre o The Apartment, que acabei gostando mais do que o meu texto. Principalmente por essa passagem:
“Não é de admirar que uma personagem que esteja sempre disposta a emprestar o seu apartamento para pequenas aventuras amorosas e adúlteras, à custa de noites muito mal dormidas, constipações bem graves e facadas na própria reputação diante dos vizinhos, que fazem dele um Giacomo Casanova ou um pequeno marquês de Sade, comece a meditar bem a sério na sua relação com o mundo, porque no final das contas é possível passar uma vida inteira a oferecer as mãos e os braços aos outros sem receber o que quer que seja em troca. Affection-wise. Talvez seja essa carência fundamental, que pode dar em chaga insuportável se se beber o suficiente, e se representa por uma secretária entre cem secretárias iguais numa grande empresa de seguros, esperas calmas em recepções vazias à porta de elevadores, encontros frustrados à entrada de teatros, ou noites muito solitárias em balcões de bares, a conceder a O Apartamento um lirismo e uma universalidade ainda inabaláveis.”
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